Às vésperas do mês da Consciência Negra, a Capital Afro, Salvador (BA), foi sede neste sábado (26) do lançamento do documentário ‘Afro – Das Origens aos Destinos’, no Cine Glauber Rocha. A exibição inédita do filme sobre afroturismo produzido pela Embratur contou com debate sobre o papel do turismo na valorização da cultura de matriz africana, realizado por lideranças religiosas e autoridades baianas como o babalorixá Pai Pote, a fundadora do Afroturs Nilzete dos Santos e a comunicóloga Andreza Viana.
O documentário de 25 minutos enlaça histórias reais sobre a influência africana na musicalidade brasileira, na gastronomia, na religiosidade e na formação do Recôncavo baiano e da capital da Bahia, sob a ótica de como o turismo resgata e preserva a ancestralidade, mas também serve como ferramenta de desenvolvimento social e econômico, gerando novos negócios liderados pela população negra em seu território e combatendo o racismo.
Presente na cerimônia de lançamento do documentário, o presidente da Embratur, Marcelo Freixo, reforçou o compromisso da Embratur de tratar o afroturismo como pauta prioritária.
“O afroturismo é mais do que falar dos negros na História do Brasil. O afroturismo é um debate sobre quem vai falar no Brasil, um debate de protagonismo. Não tem história brasileira sem a história africana. O afroturismo não está só na Bahia, mas se o afroturismo é um corpo, o coração tá aqui na Bahia. E esse documentário é uma ferramenta, um instrumento para que a gente possa mostrar ao Brasil inteiro esse Brasil que voltou. (…) A gente quer um Brasil cada vez mais democrático. O combate ao racismo não é só um movimento de indignação, é também um movimento de construção, e é isso que o afroturismo permite: uma outra construção, um outro diálogo e um outro protagonismo que está colocado aqui”, afirmou.
Após a sessão, as autoridades presentes e alguns personagens do filme debateram sobre a importância do afroturismo para divulgar e valorizar a história negra brasileira e a influência da matriz africana na língua, gastronomia, cultura e saberes do Brasil, que ajudam a construir um turismo mais inclusivo e gerador de emprego e renda para comunidades.
O aspecto econômico foi a tônica do comentário feito pelo secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Pedro Tourinho. “Se o turismo é a atividade econômica mais importante da cidade de Salvador, e o turismo é baseado na cultura, e a cultura é a cultura negra, por que as pessoas negras da cidade não se beneficiam economicamente do turismo? Então, o afroturismo é uma temática, é uma estratégia de comunicação, de posicionamento, mas também uma estratégia de justiça social. Se a gente consegue dar as ferramentas para que a comunidade negra consiga se beneficiar do turismo economicamente, e não só simbolicamente, a gente vai ter uma cidade mais justa. (…) A Embratur tem sido uma parceira da primeira hora, do primeiro minuto, nessa história”, agradeceu.
Elenco presente
O líder do Quilombo Kaonge, Ananias Nery Viana, que faz parte do elenco do doc, destacou a importância da produção para valorização do afroturismo. “Essa modalidade de turismo demorou de chegar, mas chegou, e está tendo uma grande visibilidade graças à sua chegada na Embratur. (…) A gente precisa de um turismo religioso, comunitário, que deixe a economia no local, porque a gente está cansado desse turismo convencional, que não deixa a economia no local. O turismo para a gente é aquele que é respeitoso com as localidades, um turismo que não degrade e não jogue lixo na rua. Um turismo que cuida das pessoas, porque são as pessoas que fazem o turismo”, comentou.
Andreza Viana, comunicóloga também ligada ao Quilombo Kaonge e ao programa turístico Rota da Liberdade, no Recôncavo, aprovou o conteúdo audiovisual. “Desde quando começou o vídeo, eu já me emocionei. A emoção vem porque a gente sabe da luta que os nossos antepassados tiveram para hoje a gente estar aqui com esse cinema cheio. (…) Estar aqui, falando das nossas comunidades, depois desse vídeo maravilhoso que a Embratur fez, é mostrar que a gente não está no caminho errado. É mostrar que a juventude, que a história, que a cultura, que os nossos trabalhos vêm mostrando a nossa potencialidade. (…) O turismo comunitário vem mudando a vida de muitas pessoas: de comunidades tradicionais, de aldeias indígenas, de bairros periféricos, e fortalecer o turismo é fortalecer a sustentabilidade das pessoas que sofreram para a gente estar aqui”, disse.
O babalorixá José Raimundo Lima Chaves (Pai Pote), do Ilê Axé Oju Onirê, em Santo Amaro, foi outro que participou e demonstrou satisfação com a produção. “Estou muito feliz, não só por mim, mas por quem veio antes, nossos ancestrais, e dizer que essa representação é importante não só passar em outros países, mas também aqui na Bahia. Agradecer a todos e dizer que os ancestrais estão felizes, não só por questão financeira, mas também por afirmação, por reparação”, observou.
Também parte do elenco, a coordenadora da Associação Nacional das Baianas de Acarajé (Abam), Rita Santos, citou a coordenadora de Diversidade, Afroturismo e Povos Indígenas da Embratur, Tania Neres, ao falar do documentário. “Quero agradecer muito à minha amiga, Tania Neres, que me deu esse presente. Eu não esperava estar ali [no filme]. Esse filme não deve ficar só na Bahia. Ele deve passar para o Brasil e para fora do Brasil, que é pra valorizar nossas raízes, nossos antepassados, e principalmente o nosso acarajé, nossas baianas, que é um ofício que tem mais de 300 anos, que tem que ser salvaguardado e preservado”, defendeu.
Por fim, a fundadora do Afroturs, Nilzete dos Santos, lembrou que o afroturismo sempre foi uma demanda dos visitantes, mas que só agora ganha a devida atenção e investimento. “Mesmo quando não tinha internet, as pessoas já queriam conhecer uma cidade real, uma cidade onde a gente não só era 85% da população, mas uma cidade onde a gente construiu tudo, pedra por pedra, nessa cidade, nesse país. E é por isso que temos de ter orgulho de ser quem somos, e a gente pode chegar muito mais onde a gente quiser. Agradeço à visibilidade que os governos têm dado, de dizer que ‘vale a pena, vamos investir’, e temos que aproveitar disso e fazer com que nosso realmente reverbere, transforme, e que gente chegue na posição que a gente quer, que é a da igualdade”, concluiu.
Também fazem parte do elenco outras personalidades negras ligadas à cultura e ao afroturismo na Bahia, como o jornalista e empresário Clarindo Silva, o artista plástico Alberto Pitta, a banda Àttooxxá e os músicos Dona Dalva do Samba, Tonho Matéria e Vovô do Ilê, fundador e presidente do Ilê Aiyê.
A produção do documentário sobre afroturismo faz parte de uma série de ações da Embratur para ressaltar o mês da Consciência Negra na cidade que é a Capital Afro do Brasil. Além da exibição do filme, a Agência irá se reunir com agentes e operadores de viagens, empresários do setor e governos locais, nesta segunda-feira (28), e irá recepcionar o primeiro voo Paris-Salvador, operado pela companhia Air France.
“O Brasil tem 18% a mais de voos internacionais que no ano passado, mas a Bahia tem 71% a mais. Está muito acima da média nacional, que já é uma média boa. Então, estou aqui também para dar os parabéns a todos os gestores públicos que estão aqui, do Município e do Estado, para dizer que o governo federal vai dialogar com vocês o tempo inteiro”, destacou Marcelo Freixo durante o lançamento do doc.
Outra importante ação de promoção da capital baiana para marcar o mês será uma press trip com jornalistas estadunidenses.
‘Afro – Das Origens aos Destinos’
O documentário ‘Afro – Das Origens aos Destinos’ mostra um pouco do cenário do afroturismo no Recôncavo baiano, a partir do turismo de base social, da música preta, da religiosidade, da história e da regionalidade. A narrativa aparece a partir de entrevistas com ativistas quilombolas, escritores, capoeiristas, empresárias e líderes religiosas que vivem nos municípios da região.
Entre as manifestações culturais da região, o documentário apresenta, por exemplo, a capoeira e o Instituto Mãe Hilda, terreiro de Axé criado pela ialorixá Mãe Hilda Jitolu, que foi onde nasceu o Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do Brasil. Outro ponto que o filme aborda é a influência dos escravizados e seus descendentes na formação cultural, arquitetônica e de sincretismo religioso de cidades como Santo Amaro da Purificação, Cachoeira e Salvador.
Também aparece no filme a história da Irmandade da Boa Morte e um pouco do que é o Quilombo Kaonge. A irmandade surge a partir de mulheres fugidas ou alforriadas que usavam da culinária para arrecadar dinheiro e comprar a liberdade de outros pretos. Já o quilombo foi formado por reis e rainhas levados da África para trabalharem como escravizados no Brasil e que fugiram do regime e criaram a comunidade, que hoje recebe turistas internacionais de diversos países interessados na história, na cultura, no modo de vida e na gastronomia desta comunidade.
Do mundo para a Bahia
De acordo com o Portal de Dados da Embratur, o número de entradas de turistas internacionais na Bahia de janeiro a setembro deste ano (94.703) já superou o acumulado de 12 meses de 2023 (92.059). E no comparativo dos primeiros dos primeiros nove meses, o registro de turistas internacionais no estado cresceu 58,4% – as chegadas no mesmo período do ano passado ficaram em 59.754.
O número de visitantes internacionais no estado, porém, é ainda maior, já que também existem turistas que entraram por outras unidades federativas e incluíram a Bahia em seus roteiros. Para completar, nos primeiros seis meses de 2024, os principais países emissores de turistas para território baiano foram Portugal, Peru, França e Estados Unidos.
Assista ao documentário:
HALLO! Magazine surge em 2013, com edições impressas, com notícias orientadas à soluções, despertando interesse e engajamento de seus leitores e leitoras. Em 2022, já é multiplataforma (formatos impresso e eletrônico).